18/08/2015

Não rima com mãe gentil

*Por Golbery Lessa

Para refletirmos com mais objetividade sobre a conjuntura e as manifestações de hoje,16 de agosto, em algumas cidades brasileiras, seria importante relembrar alguns pontos básicos da sociologia politica e da história das ideias relativos às atitudes políticas da classe média.

1) Diferente da grande burguesia, um setor cada vez mais minoritário em termos demográficos, os setores médios da população não aderem, necessariamente, ao reacionarismo. Eles oscilam entre esquerda, centro e direita. Isso se comprova, facilmente, no caso brasileiro pelo fato de que, em vários momentos, muitas segmentos da classe média assumiram bandeiras progressistas, como no movimento pelas Diretas Já ou mesmo, surpreendentemente, na história da construção do PT;

2) a classe trabalhadora também oscila entre as três principais posições do espectro político (esquerda, centro e direita). Mas, por suas especificidades econômicas e culturais, é capaz, em algumas conjunturas, de manter-se à esquerda com mais coerência e durante um tempo maior; por ocuparem posições mais decisivas para a reprodução da sociedade e serem mais numerosos, quando os trabalhadores se colocam como vanguarda são capaz de provocar profundas mudanças econômicas e políticas, como as revoluções socialistas;

3) a classe média (definida como os pequenos e médios empresários e os segmentos assalariados melhor remunerados e qualificados) tem uma natureza sociológica híbrida, pois comporta em si características da burguesia o do proletariado. Esse hibridismo é a raiz de sua oscilação política, do seu seguidismo em relação aos projetos das duas classes fundamentais (a burguesia e os assalariados), da sua ilusória autoimagem (de que seria uma classe acima das classes, neutra, objetiva, moralmente superior, sem interesses particulares) e do seu politicismo (ou seja, da ideia de que o espaço da política não seria determinado pela economia, seria o espaço mais importante para a reprodução da sociedade e movido apenas pela moral). Em resumo: por ser híbrida, uma mistura entre proletariado e burguesia, a classe média não pode ter um projeto político próprio que seja coerente, plausível e factível. Essa característica sociológica se expressa em fragilidade política e ideias contraditórias sobre a realidade social e o Estado.

As motivações declaradas do ato deste dia 16, coordenado pelos setores médios, e o do próximo dia 20, organizado por sindicatos e movimentos sociais, demonstram uma separação entre parte da classe média e os setores mais organizados da classe trabalhadora. Ou seja, revelam que a grande burguesia conseguiu dividir as duas outras classes e subordiná-las ao seu projeto, que está representado tanto no PSDB quanto no campo majoritário do PT e no PMDB. Isso explica a falta de consistência das bandeiras dos dois atos e sua marcante aparência de farsa, de peça mal ensaiada, de ausência de crença efetiva nas próprias ideias.

No ato de hoje, dia 16, parte da classe média desejou demonstrar independência ideológica e projeto político próprio. Mas, de fato, demonstrou apenas estar subordinada e manipulada pelos seu principal adversário: o grande capital. Aquele que a tem estrangulado por meio do altos juros, dos inflacionados preços das escolas particulares e das sempre crescentes mensalidades dos planos de saúde, entre outros mimos do gênero. Essa alienação da classe média foi causada por dois motivos: 1) pelo fato de que os governos petistas não contribuíram para proteger esta classe contra os interesses das grandes empresas, levando os setores médios a buscarem representação em outros grupos políticos; 2) pelo fato de o PT ter assumido o programa da direita e convencido os sindicatos e movimentos sociais a trilharem o mesmo caminho; isso neutralizou esses sindicatos e movimentos como vanguardas alternativas à burguesia, deixando a classe média sem uma sinalização clara à esquerda. Ou seja, o PT aliou-se ao grande capital, não regulou de modo justo a relação deste com a classe média e convenceu os trabalhadores organizados de negarem-se como efetiva vanguarda de esquerda. Alimentou, portanto, as raízes do antipetismo e do mergulho de parte da classe média num delirante reacionarismo.

O ato do dia 20 será o outro lado da farsa. Vários sindicatos e movimentos sociais irão à rua dizer que o governo Dilma é o seu governo e que estão dispostos a enfrentar a direita golpista, a suposta única fiel representante da elite brasileira. Ao mesmo tempo irão protestar contra o programa de Dilma, particularmente as medidas relativas ao ajuste fiscal. Vão defender o governo das investidas de uma parte da direita (PSDB e Cunha) e criticarão, ao mesmo tempo, o programa neoliberal assumido pelo PT. Ou seja, a parte organizada da classe trabalhadora que se nega, desde a Carta aos Brasileiros, a ser a vanguarda à esquerda, ficando por esse motivo apartada da classe média, irá defender um governo totalmente subordinado ao grande capital com bandeiras contrárias os interesses da burguesia.

Na presente conjuntura, o grande capital manipula, isola e explora a classe média, os trabalhadores e o governo petista. E ainda conta, numa eventualidade, com o PMDB e o PSDB como alternativas de poder. Pesadas as principais variáveis sociológicas e o retumbante fracasso da estratégia política do PT, a classe média é mais vítima do que algoz no delírio reacionário e perigoso que ostentou hoje nas ruas.

Golbery Lessa é doutor em Ciências Sociais e membro do CC do PCB.

Maceió, 16/08/2015

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